Por mais que eu seja uma pessoa cheia de ideias e que pensa muito mais do que fala, nunca fui do tipo que expressa opiniões publicamente, tampouco criei este blog pra isso.
Mas, devido a alguns acontecimentos nos últimos dias, resolvi dar a minha opinião aqui por ser o único lugar em que eu posso desabafar à vontade sem invadir a página de ninguém nem me importar com o número de caracteres que vou usar.
Enfim, quero falar um pouco sobre preconceito.
Nasci no tipo de família mais tradicional que possa existir. Mãe, pai e dois irmãos mais velhos.
Minha mãe é "do lar". Cuida muito bem de casa e não trabalha fora porque resolveu criar os filhos quando eu ainda era bem pequena.
Meu pai é o típico pai machista. Trabalha para sustentar a família, reclama se tem algo fora do lugar em casa mas não move um dedo para arrumar, adora uma cervejinha e um futebol de domingo na Globo.
Meus irmãos já são criados. Os dois casados, e um deles, assumiu uma família com a esposa, com quem eu me dou muito bem.
O que pouca gente sabe, é que é exatamente fazendo parte dessas famílias que na maioria das vezes aprendemos a ser muito preconceituosos.
Desde pequena aprendi que mulher tem que ficar na cozinha, que não dirige bem e que só atrapalha a vida do homem. Também aprendi que homem é bicho viril, másculo, que conta vantagem se pegou mais mulher, se tem pênis maior. E sem esquecer, é claro que aprendi que mulher que trai é vagabunda, homem é garanhão.
Mas além do que nossa estrutura familiar ensina, aprendemos muito com a vida. Só não aprende quem não quer.
Não sou de falar da minha vida pessoal na internet, e aqui vai minha exceção:
O primeiro contato que tive com preconceito foi com o meu irmão mais velho. Ele é como se fosse meu "meio irmão", filho do meu pai com outra mulher. Acontece que esse relacionamento aconteceu enquanto meu pai e minha mãe namoravam. Enfim, minha mãe perdoou meu pai e é claro que a outra é quem ficou taxada de vadia.
Tive uma infância e uma adolescência um tanto complicadas com relação a ele. Além de muitos problemas que não vêm ao caso agora, ele era "o filho da outra", oras. E por qual motivo eu ia gostar dele? Ele era motivo de tensão na minha "família perfeita". E por causa desse preconceito besta, foram precisos quase vinte anos da minha vida pra eu conseguir me aproximar o suficiente e descobrir a pessoa maravilhosa que ele é. Hoje nos damos tão bem que eu não consigo nem me lembrar dos tempos em que eu mal o considerava meu irmão.
Cresci num ambiente extremamente machista, como já disse. Pro meu pai, se tem algum problema no mundo, quando a culpa não é da mulher, é do viado.
E então, com quatorze anos, me mudei para uma escola onde convivi até o final do ensino médio com "mulheres e viados".
Vi que não tinha nada demais. Meus amigos do colégio, mesmo gays, eram muito bons comigo. E para a minha surpresa, nada diferentes de mim, heterossexual.
Achava que mais um preconceito havia desaparecido de mim até algumas mudanças acontecerem comigo.
Me vi em uma situação extremamente delicada para se passar na adolescência: eu estava completamente apaixonada por uma menina.
E agora? O que vão pensar de mim? Como vou lidar com isso? Que monstro me tornei? O que eu faço com meu futuro marido e filhos? E aquela família perfeita que meus pais imaginaram pra mim?
Com tantas dúvidas sobre tudo isso e sobre mim mesma, levei algum tempo mas resolvi encarar de frente. Cresci, amadureci e namorei por quatro anos uma menina que por um bom tempo foi o grande amor da minha vida. Percebi que não havia nada de errado comigo. Meus gostos continuavam os mesmos, minha cabeça era a mesma, meu cheiro era o mesmo, meus amigos eram os mesmos.
Alguns outros preconceitos bateram de frente comigo ao logo do tempo.
Eu, logo eu, neta de uma senhora negra, filha de homem pardo com mulher nordestina, não gostava de negros. Mas quanta hipocrisia.
Não que não me desse bem com eles, mas falava para quem quisesse ouvir que eu jamais ficaria com mulher negra nenhuma nesse mundo. Mas esse preconceito era tão ridículo, e partia de um argumento tão leviano ("de negra já basta eu"), que naturalmente sem que nada nem ninguém interferisse de alguma forma na minha vida, eu o arranquei de mim. E me sinto muito mais leve ao olhar para negras na rua e pensar "meu deus, que mulher linda".
Há pouco tempo a vida me livrou de mais um preconceito: o estereótipo religioso.
Mas é claro que quem frequenta terreiros de umbanda faz magia negra, tem uma energia ruim, incorpora do nada e põe praga em quem passar na frente. Mas é claro pra quem?
Pra mim, mente fechada, família tradicional, etc.
E como a vida é muito da brincalhona, ela me deu de presente logo três amigas macumbeiras. Uma delas, inclusive, com quem eu convivo desde que ainda tinha dentes de leite. Mais uma vez eu vi que ninguém muda por ser diferente.
Com essas e tantas outras lições, já pouco me importa se a pessoa é preta, branca, alta, baixa, magra, gorda, gay, hétero, bi, macumbeira, evangélica, velha, nova. Isso tudo é um monte de lixo, pra falar o português bem claro. Somos todos humanos. Todos somos e funcionamos iguaizinhos por dentro. E mais importante que isso: Todos temos sentimentos.
Não é problema meu se você é negro, gay, maconheiro, canhoto e faz macumba aos sábados. Não é problema meu se você é hétero, branco, ateu e não come carne.
Assim como não é problema seu se eu sou ou não gay, se eu tenho alguma religião, se sou gorda ou magra... O que vai mudar afinal?
Recentemente, por conta de má (péssima) interpretação de terceiros, me vi sendo taxada como "a menina que levanta a bandeira LGBT mas que não gosta de transexuais". Tudo por causa de um comentário que fiz no meu twitter, que não tinha absolutamente nada a ver com esse assunto, mas que deduziram que tinha, e sem me perguntarem nada, colocaram esse rótulo na minha testa. Tudo isso, é claro, sem se identificarem.
Eu já convivi com transexuais, pra quem não sabe. Eu tinha um cabeleireiro, o Caio, que era um amor. Era gay e em nenhum momento isso fez com que eu quisesse me afastar dele. Um belo dia ele tomou hormônios, fez algumas cirurgias, deixou o cabelo crescer e trocou o nome no saudoso orkut, passando a ser conhecido como Keyla. Minha reação foi ir cortar o cabelo e me dirigir à ela com um simples "oi Keyla, vim cortar o cabelo!". Conversando e frequentando os salões em que a Keyla trabalhava por anos, vi que ela só tinha mudado por fora, e estava até mais bonita. Por dentro ela continuava aquela mesma pessoa que eu conheci quando ainda se chamava Caio.
Depois disso, frequentei muitos lugares em que havia de tudo. Fiz parte e todas as realidades possíveis e imagináveis. Falei com gay, com hétero, com trans, com drag, com travesti, com lésbica, com macumbeiro, com cristão. E sabe qual é a maior e mais gritante diferença entre eles? As barreiras que nós colocamos para afastá-los de nós. Para não sermos julgados porque decidimos passar a tarde na casa da amiga gorda falando bobagem, ou o fim de ano na praia com a galera que faz macumba. Pra não saírem por aí me chamando de sapatão porque minha melhor amiga tem uma namorada e eu não me afastei dela.
Pois é. Parece ridículo quando se lê dessa forma, mas é a verdade. Eu defino o preconceito como o medo de ser julgado, mas principalmente como o medo de gostar do que se ridiculariza. É mais fácil eu ter preconceito com transexuais do que eu me dar a liberdade de me aproximar de um e acabar fazendo amizade ou até mesmo me apaixonando. Afinal, se isso acontecer eu vou ter que assumir, lutar contra o preconceito de outras pessoas e isso é desgastante demais pra minha covardia.
E isso vale pra todo e qualquer tipo de preconceito do mundo.
E isso vale pra todo e qualquer tipo de preconceito do mundo.
Tenho apenas vinte e dois anos, mas aprendi muito nesse tempo. Aprendi a amar, a cuidar do próximo, a enfrentar barreiras. Sei que ainda tenho muita coisa pra aprender e muitos preconceitos pra me livrar, mas aconselho a quem estiver disposto a se arriscar, que faça o mesmo. Do outro lado sempre haverá uma bela lição pra gente levar por toda a vida.
Infelizmente eu sei que as pessoas que estão cuidando do meu twitter só
pra achar qualquer coisinha que seja e apontar o dedo na minha cara sem
se identificar, nem chegarão na metade desse texto. Mas a vida me
ensinou muito, e não há de ser diferente com ninguém, então a hora de
todo mundo aprender vai chegar, leiam meu texto ou não.
Sua amiga preta, hetero e macumbeira aqui amou seu texto e ama você ainda mais, Piccin!
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